"A VERDADEIRA BIOGRAFIA"



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A minha biografia é evidentemente excepcional. Tive um Pai uma Mãe nasci numa Casa fui à Escola da vila depois do concelho. Mudei de distrito para continuar e o caminho da instrução concretizou-se na Faculdade de Belas Artes. Da infância passada em plena Natureza lembro a beleza das estações do ano os rituais católicos uma criada preferida o instante em que aprendi a ler. Chegou a adolescência e com ela a certeza Quero ser professora de Desenho. Suponho que a Biblioteca me salvou do desastre interior. Tinha dezassete anos e requisitei "Uma Época No Inferno" de um rapazito chamado Jean-Arthur Rimbaud. Na Biblioteca o empregado olhava-me sempre com reserva. Eu estudava o quê? Um dia livros de medicina outro dia de poesia. Então a ciência é poética? A entrada na vida adulta aliada à independência e ao amor: O meu país sofreu uma revolução. A democracia não honrou ainda a sua palavra. Cumpro deveres e não posso usufruir de direitos proporcionais. Eu e alguns milhares neste sentimental canto europeu sob um regime semiditatorial contribuo para a sopa e os vícios de alguns milhares de parasitas. Mudando de assunto a pátria é grande e a família também. Para mim já passou o meio século. Já foi o Pai a Mãe e o Irmão mais velho. Estou por cá à espera certamente. Não é provável que me entregue. Conheci o galinheiro do confessionário ajoelhei-me diante do altar da virgem. Apaixonei-me. Também recebi um terço de prata no dia da comunhão solene. E na hora exacta o óleo perfumado do crisma. Sempre que vou a uma missa de corpo presente lá está o mesmo altar com a deslumbrante virgem. Entretenho-me a recordar que já tive quinze anos e também adorei. Depois a Páscoa a soturna via sacra onde sofria pela minha dor e as beatas exibiam lágrimas como dádiva pelo calvário a que Jesus foi sacrificado. Jesus era belo na sua passividade. Os longos cabelos o olhar suplicante as pernas o tronco liso o ventre. Por fim a entrega. Braços abertos para o bem e para o mal. Agora neste dois mil e seis trata-se de insistir. Já é tarde para quase tudo. Os meus contemporâneos alimentam uma curiosidade fétida. A obra é minha. Faço o que quero. Escondo rasgo mostro transformo entrego ao crematório deixo aos herdeiros ao vaticano não deixo. Nunca esmolei. Não fui pobre Mas os sinais da exclusão o ódio é tão luminoso que seria patético psicotisante até não articular sequer estes versos antes da eutanásia. Isabel de Sá
Isabel de Sá, por Graça Martins

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