Tinha de ser.



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Quebra no sabatismo recém-anunciado para um pequeno parêntese, a anunciar isto, que tinha de ser e muito agrado me traz, embora não mais que o simples, prévio e, portanto, garantido existir do objecto causal.
Passo a explicar: "As Têmporas da Cinza" de A. M. Pires Cabral, 2008, Edições Cotovia, arrecada o prémio Luís Miguel Nava 2009.
 Aos desinteressados, perdoem-me a importunância. E agora sim, me retiro.

Aprender A Rezar Na Era da Técnica.



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de Soasig Chamaillard.
 
[ Legenda imagem 1: Pegando nos cochichos de um arcanjo, de seu nome Gabriel, Maria inventa Jesus. Jesus, o Menino-Natal. Veio santíssima Coca-Cola que inventou o Pai-Natal. Logo, Pai-Natal a Maria quis conhecer. Fazer dela Mãe-Natal. Coca-Cola: Santíssima Aliança. Pai-Natal, Coca-Cola, Maria-Mãe: Santíssima Trindade. Entretanto e pelo caminho, acho que perdemos o Jesus. Não sei se estão a ver. Vá, ide lá a correr fazer o resto das compras: Santíssimo Advento.]


 
E com esta me retiro. Afinal, esta estória do Natal sempre foi um bom pretexto para passar uns dias santos (e de pura misantropia, pela parte que me toca). Tenham-nos.

Mark Peckmezian.



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Mais do mesmo.



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Bem, pelo menos desta vez não veio ninguém dizer que isto era tal e qual, la même chose, fac-simile de uns Ornatos chapados. O que já é um começo. Um belo começo.

Desabar o tecto sobre os incréus.



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Ahhh, agora já percebi a cena do sismo.

ú.



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E durante um post sobre medo, fica sempre bem um bruto tremor de terra.

Sinto-me assim:



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h MEDO do MEDO 
(sinto-me tão assim)
 
Medo de ver a polícia parar diante da casa.
Medo de ficar a dormir durante a noite.
Medo de não conseguir dormir.
Medo de que o passado volte.
Medo de que o presente levante voo.
Medo do telefone que toca no silêncio a horas mortas.
Medo das tempestades eléctricas.
Medo da mulher de turno que tem uma cicatriz no queixo.
Medo dos cães embora me digam que não mordem.
Medo da ansiedade!
Medo de ter que identificar o corpo de um amigo morto.
Medo de ficar sem dinheiro.
Medo de ter muito, embora seja difícil de crer.
Medo dos perfis psicológicos.
Medo de chegar tarde e de chegar antes de todos.
Medo de os ver morrer antes de mim e de me sentir culpado.
Medo de ter que viver com a minha mãe, na velhice dela e na minha.
Medo da confusão.
Medo de que este dia termine com tristeza.
Medo de acordar e de ver que foste embora.
Medo de não amar e medo de amar demasiado.
Medo de que o que eu ame seja letal para aqueles que amo.
Medo da morte.
Medo de viver demasiado tempo.
Medo da morte.
Isso já disse.
Raymond Carver

Comunicado.



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ossêBa od odariv odot adna eugolb etse.

Hoje Sinto-me assim:



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( gostava de mandar com um monumento francês a uma certa ciência social que me tem arreliado por estes dias: Torre Eiffel, Notre-Dame, Louvre, ó, tantos e tão pontiagudos - Fuck Sarkozy, Fuck Besson, Fuck Le Grand Débat )

Qualquer dia também levas com um monumento.



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"Ofendi, sim senhor, mas não vou pedir desculpa" Técnico do Inter admite insultos ao jornalista Andrea Ramazzotti: "Espero dele um presente de Natal, porque ficou mais famoso que o Eros".

"Foi um milagre não ter perdido o olho"



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A julgar pelo aspecto disto, deve ter doído.

Só Já Te Falta Seres Mulher.



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"Quando me fui deitar, era um pacato pai de família; quando acordei, era a Miss Dezembro "
"Veja o leitor o que pode acontecer a um cidadão incauto. A revista Playboy manifestou o desejo de me entrevistar. Como todas as pessoas que não têm nada para dizer, gosto muito de ser entrevistado. Por isso, aceitei. E devo ter dado uma entrevista de tal forma sensual que a Playboy resolveu colocar a fotografia do meu rosto apolíneo na capa. Sim, sim: na capa. No sítio em que costuma estar uma senhora nua, estou eu sozinho. Como sempre costuma acontecer, assim que eu entro as senhoras nuas desaparecem. Sou, portanto, a capa da revista Playboy deste mês. Quando me fui deitar, era um pacato pai de família; quando acordei, era a Miss Dezembro. Uma coisa é eu ser um humorista; outra é a minha vida ser ridícula. Deus sabe quanto tenho tentado separar as águas, mas tem sido quase sempre em vão.
Não sei quantos leitores perdeu a Playboy com esta capa, mas posso garantir que perdeu um: eu não compro aquilo, de certeza. Por um lado, é óbvio que as fotografias foram submetidas ao tratamento do photoshop e outras ferramentas de correcção de imagem: o meu nariz tem bastante mais celulite do que parece ali. Por outro, impressiona-me que este seja, até agora, o maior sinal de que o momento que vivemos é mesmo grave. A Playboy, especialista na divulgação de mulheres nuas, publica, este mês, um homem (se isto é um homem) vestido. É bem verdade que a crise não é apenas financeira - é também uma crise de valores. Esta interrupção súbita e sem aviso da exploração do corpo feminino é, evidentemente, imoral. Eu sempre gostei de explorações. E gosto mais ainda do corpo feminino, um gosto que é exacerbado pelo pouco contacto que tenho com ele. Ver-me agora envolvido na suspensão das actividades exploratórias é uma mancha de que a minha biografia não precisava.
A Playboy justifica o despautério com o facto de me ter eleito homem do ano, uma ofensa que 2009, por muito mau que tenha sido, não merecia. Significa isto que, no espaço de um mês, fui distinguido pela ILGA e pela Playboy. O mundo homossexual e o mundo heterossexual deram as mãos e convergiram na necessidade urgente de me agraciar. Que se passa com o mundo? Homossexuais e heterossexuais têm tido, desde sempre, discordâncias, conflitos, tensões. Quando finalmente concordam, dá isto. É bom que os apreciadores da paz e da concórdia façam uma reflexão profunda sobre as ideias que defendem. O que em teoria é bonito, na prática pode ser grotesco.
Resta a curiosidade de saber como vai este número da Playboy trilhar o seu caminho. Que mecânicos irão buscar o martelo e os pregos para pendurarem a minha entrevista na parede das suas oficinas? Que adolescentes se entusiasmarão, no recato dos seus quartos, com as minhas opiniões sobre o sentido da vida? E, a mim, sobra-me o consolo amargo de, finalmente, poder dizer que já tive intimidades com uma capa da Playboy."
( Ricardo Araújo Pereira na capa de Dezembro da Playboy; e na crónica habitual para a Visão. )

A Busca.



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"We know only four boring people. The rest of our friends we find very interesting. However, most of the friends we find interesting find us boring: the most interesting find us the most boring. The few who are somewhere in the middle, with whom there is reciprocal interest, we distrust: at any moment, we feel, they may become too interesting for us, or we too interesting for them. 

Lydia Davis

Isto é amável.



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Deus te salve sol divino, tu que corres mundo inteiro,
se viste lá o meu marido - ai - não mo negues não.
Que os raios que vens deitando ao teu nascimento,
sejam dores e facadas que lhe atravessem o coração.
Que por mim ele endoideça:
Que não possa comer, nem beber, nem andar, nem amar, nem com mulheres falar - nem em casa particular! - e todas as mulheres que veja lhe pareçam cabras negras, bichas feias,
e só eu pareça bem no meio delas.
(devidamente musicado por B Fachada)

Sexta-Feira 11.



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Um mitra no autocarro com um balde de 15 litros de tinta branca + Uma senhora que lê em voz alta as sms's de encorajamento que vai escrevendo. + Manual de Prestidigitação + O idoso que lê o Inimigo Público e ri com desmesura, sozinho. + Kit de Prestidigitação, entre outras belas + uma espécie de assalto em que o tipo me diz " A minha mãe não me deixa entrar em casa, ajudas-me a comer um bolo?, espera, dou-te esta mala de peluche". E depois deu-me três. Mais uma camisola da selecção. A mala de peluche é em forma de coelho. Foi-se embora e disse, hoje como bitoque. Ou então não. 
Há dias assim - que alívio. Hei-de cá voltar e desenvolver isto. )

Da Remela e Outros Indícios. (Hoje Sinto-me Assim:)



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Esta manhã não lavei os olhos -
pensei em ti.

Se o teu ouvido se fechou à minha boca
poderei escrever ainda poemas de amor?
A arte de amar não me serve para nada.

Há dias em que morro de amor.
Nos outros, de tão desamado,
morro mais.

Casimiro de Brito 
Arte de Bem Morrer 
Roma Editora, 2008

Winter Sleep / Hibernation, por Ivo Mayr.



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Roger Ballen.



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© Roger Ballen.

Aforismo.



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"Se caminhasses por uma planície, te esforçasses por avançar, e, no entanto, os teus passos te levassem para trás, seria desesperante; mas como sobes uma ladeira íngreme, os passos para trás só podem ser causados pela natureza do terreno, e não deves desesperar."
 
Franz Kafka 
Aforismos

Outono.



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Uma vez um homem encontrou duas folhas e entrou em casa segurando-as com os braços esticados dizendo aos pais que era uma árvore. Ao que eles disseram então vai para o pátio e não cresças na sala pois as tuas raízes podem estragar a carpete. Ele disse eu estava a brincar não sou uma árvore e deixou cair as folhas. Mas os pais disseram olha é Outono.
Russell Edson 
O Túnel 
Assírio & Alvim
2002

This Endless, Tragic, Impossible Love:



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CESARINY.

Porque, Senhor, é isto a legenda até sempre. Porque este é O Homem. Porque vou ali largar uma folhinha de plátano. Meu amor. Que te puseste a dormir e nunca mais acordaste - Sonhos p'rá miséria, (doem aqui, doem acolá), mas vá, acabrunhada, pelo peso esmagador de uma herança irrecusável. 


(Vou ali aos Prazeres e já venho.)

Um bom par de chapadas.



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Um par de chapadas na tromba
Um bom pontapé no cu
Um murraço nas queixadas
Dá-nos outra juventude
Um bom par de chapadas na tromba
Um directo em cheio no estômago
Os dedos dos pés debaixo duma mó
Um biqueiro em pleno tralálá
Apaga tudo, a droga e a aspirina
Os espinafres, o snif e a Badoit
É mais bacana que o foie gras em terrina
Pois é menos caro e não engorda
Um bom par de chapadas na tromba
E a vida volta a ter valor
Numa manhã em que nos sintamos sós
Toca a partir a cara entre amigos

Boris Vian 
Canções e Poemas 
Assírio & Alvim, 1997

Heaven Can Wait.



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"Heaven Can Wait"

Primeiro single de avanço para o 3º álbum da actriz e cantora Charlotte Gainsbourg.
O álbum chamar-se-á IRM e é inteiramente produzido por Beck que também faz parelha com Charlotte neste tema.  Tem este excelente vídeo que aqui vos deixo com os mais sinceros votos de um bom fim de fim-de-semana.


Live happy lives, that heaven can wait.

17 Things You Don't Know About Your Cat.



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17 Things You Don't Know About Your Cat.
Link.

Freud, meu andróide.



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Sonhei com um casalinho amoroso feito de um idoso caquético, aperaltado e patrão, com certo ar de aristocrata, e de uma macaquinha trajada à primeira-dama, muito querida e babosa, que, tendo o dom da palavra, se esforçava por lhe dar em bicos de patas segredinhos ao ouvido e beijos molhados. Isto no jantar de Natal da empresa: Geral boquiabertura.

Tu que nos deste a Primavera e o sarampo.



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Tu que nos deste a primavera
e o sarampo,
as manobras fáceis da procriação
e a denodada repulsa pela morte,

leva um pouco mais longe a generosidade
e dá-nos agora a indiferença:
longa, fria, auspiciosa.

Como a que deste às pedras.
E - segundo parece -
como a que reservaste para ti.

Dá-nos esse gelo, essa tão
dura carapaça. Para que passem
carroças sobre nós - e nós a assobiar.

A. M. Pires Cabral

Medo do Ridículo.



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Anatidaefobia - medo de ser observado por patos
Balistofobia - medo de mísseis
Biofobia - medo da vida
Catagelofobia - medo do ridículo
Deipnofobia - medo de jantar e conversas do jantar
Dextrofobia - medo de objetos do lado direito do corpo (podia ser medo do Dexter)
Estruminofobia - medo de morrer defecando
Estupofobia - medo de pessoas estúpidas
Narigofobia - medo de narizes
Octofobia - medo do número 8
Parasquavedequatriafobia - medo da sexta-feira 13 
Ripofobia - medo de defecar
Taeniofobia ou Teniofobia - medo da solitária (ténia)
Teratofobia - medo de crianças ou pessoas deformadas

Fonte: Wikipédia.
[ Tenham medo, muito medo. ]

AS MORTES MAIS ÚTEIS DOS ÚLTIMOS TEMPOS.



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Dead Flies Art 
de Magnus Muhr. 
(E escutai: vós, mosquinhas mortas, tendes das mortes mais úteis dos últimos tempos.
Tendes pernas e o céu.)

Homenagem a 4 poetas e 1 cineasta.



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Livra-me das tentações
de fugir ao fisco
e que em Fevereiro pague sempre
os meus impostos.
Afasta-me do supérfluo e
da vaidade e recorda-me que
um dia hei-de ter hemorróidas.
E não me deixes cair no pecado
da ideologia
para que não leve com o proletariado nas trombas.
Guia-me pelos caminhos do amor
até um centro comercial
onde o amado me acompanhará
a experimentar um a um cada vestido.
E, por último, faz com que
todo o iogurte que coma seja
— foda-se! —
de morango. 

Ana Paula Inácio.

The White Ribbon.



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O Laço Branco, do austríaco M. Haneke, vencedor da Palma de Ouro Cannes 2009, vai a exibir hoje, às 22 horas, no Estoril Film Festival. SITE

Académicos.



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A universidade devia ser outra coisa. Falta uma verdadeira cultura de interesse e conhecimento - uma falha que se alarga à sociedade em geral e é particularmente visível na falência do debate político. (...)
Vamos para o ensino superior porque se vai para o ensino superior. O discurso universitário é o da cerveja. As ideias são como raparigas chatas, com aparelho nos dentes e óculos fora de moda. Viva a vida. De vez em quando fazem-se conferências e isso é fixe porque assim não há aulas. O futuro é um monstro que importa esquecer. Somos muito radicais mas só quanto àquilo que nos sabe bem. A universidade devia ser outra coisa - e eu não devia estar certo quando reconheço a máxima pertinência à ironia que um professor meu costuma lançar quando fala da nossa universidade, referindo-se a "este templo do saber."




 

Hoje Sinto-me Assim:



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Blonde turns Redhead.
 
[Falling Man - Blonde Redhead]

Caixa de Entrada.



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Menu & Mensagens & Caixa de entrada
  • Tipo, de que tamanho?
  • Pensei que estavas a falar de um livro :s
  • Eu aviso, bambi.
  • Tens a certeza que eram mulheres?
  • Deve tar um bela merda, deve.
  • Eu vou comer nabos com peixe.
  • Isso foi assédio sexual.
  • Tou num jantar de turma, uma bela merda.
  • A Marta tá grávida, tá a jogar bowling.

PHRAZES FOR THE YOUNG.



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Senhor, olhe que assim de repente isto nem me parece grande coisa:
Até do cão gosto mais do da McGowan:( mas como eu me engano sempre... )

Ironia do Destino / Butterfly Effect.



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Há coisas irónicas. Por exemplo, no dia em que por obrigações académicas pela primeira vez me sento para estudar Lévi-Strauss (o da Antropologia, não o dos jeans, que esse está aí prás curvas, colado ao cu da pessoas), o senhor morre. Que concluir?

30 de OUTUBRO.



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" Se não é desta que o Senhor faz desabar o tecto da Culturgest sobre os incréus, então nunca mais é "
 VIA http://irmaolucia.blogspot.com/

ÀS VEZES.



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I.
Às vezes escondo-me no corpo e ninguém me vê.
As pessoas falam comigo e não notam que eu não falo com elas.
Posso até dizer algumas palavras,
posso até exprimir-me num longo discurso,
mas a verdade é que não falo com elas.
Estou escondido algures no meio do meu corpo.
Enfio-me todo no esófago ou no centro da artéria aorta ou na veia jugular,
e, por vezes, quando estou mais tímido, chego mesmo a esconder-me nos músculos da planta do pé.
Apesar de não saber os nomes destes músculos escondo-me lá muitas vezes.
Aliás, é melhor fugirmos para sítios de que desconhecemos o nome: ficamos ainda melhor escondidos.
É a minha opinião.

A minha personalidade a refugiar-se inteira no dedo mínimo do pé esquerdo, vejam bem.
Por vezes acontece-me.
O meu EU alojado no dedo mínimo do pé esquerdo.
Os mais importantes pensamentos concentrados no dedo mínimo do pé esquerdo.
As minhas sensações mais íntimas escondidas no dedo mínimo do pé esquerdo.

Quando me pisam é que é uma desgraça.
Só se tiver a sorte de me pisarem o outro pé.
Quando me pisam o pé mais importante começo a gritar; e começar a gritar é o começo do fim.
Quando gritamos não nos podemos esconder.
O corpo vem todo à pele ver o que se passa.
A pele é como se fosse uma janela.
Quando gritamos de dor, todas as células do corpo vêm à janela, ou seja, à pele, para assistir à procissão.
Mas há muitas células do meu corpo que não concordam totalmente com as minhas ideias.
Obedecem-me porque não têm alternativa, mas nas costas gozam-me e por vezes insultam-me.
Prefiro mesmo assim os insultos.
Os insultos são pequenas pancadas vindas do fundo dos órgãos.
É mais ou menos suportável.
O terrível é quando se põem a rir de mim.
Eu digo:
— Sou um grande acrobata,
e sinto logo algumas células a rirem-se.

As costelas abanam todas.
Os dentes é como se tivessem muito frio.
Os dedos dos pés encolhem-se.
É como se soprasse uma rajada de vento no meio do corpo.
Ainda por cima riem-se de quem as alimenta.
Se isto não é ingratidão, não sei o que é ingratidão.

Células más, um dia ainda vos mato.

O problema é que elas me têm por refém.
É impossível matar as próprias células do corpo sem morrer.

Parecendo que não, esta vida é muito complicada. 
 
Gonçalo M. Tavares 
O homem ou é tonto ou é mulher 
Campo das Letras, 2002




II.
Às vezes tenho medo, muito medo.
Às vezes sofro.
Às vezes, penso nas pessoas que amo e penso na
possibilidade de as perder.
Às vezes vejo alguém doente e fico incomodado.
Pode não ser um amigo ou um familiar.
Posso estar a vê-lo pela primeira vez.
Mas fico incomodado.
Aquela doença pertence-me.
 
Todas as doenças pertencem a toda a gente.
Todos os sofrimentos pertencem a toda a gente.
Todas as mortes pertencem um pouco a toda a gente.
Às vezes sinto isso muito,
outras vezes sinto menos.
Quando sinto menos posso preocupar-me com o mundo,
brincar com a poesia,
com a filosofia e com as palavras.
Mas quando sinto, deixo de conseguir pensar.
Não fazem sentido as lógicas,
as filosofias,
as discussões.
Todo o nosso corpo sente.
E o que resta? Nada
Só existe aquela morte, aquela doença, aquela velhice.
Só aquele pai que amo e está a envelhecer. Só aquela mãe
que amo e está a envelhecer.
Só aquele amigo que morreu num estúpido acidente.
Só aquele amigo que se tornou amargo
porque a mulher o deixou.
Só o amor e a falta de amor.
As mulheres que nos enganam e as mulheres que são enganadas,
as mulheres e os homens que enganam.
Os amigos que deixam de ser,
alguns inimigos que morrem, e temos pena.
Que importa o resto?
Onde está o livro importante?
O filme que resolve?
Podemos chorar à frente de um quadro, mas não resolve nada.
Podemos pintar um quadro, escrever um poema, mostrar às
mulheres bonitas como somos bonitos, exibir o nosso corpo,
mas que adianta?
Estamos sozinhos
Se não estamos, vamos estar.
Oa amigos vão-nos deixando, vão-nos deixar.
Vão morrer ou nós vamos morrer.
Ou então deixam de nos telefonar, ou então deixamos de
lhes querer telefonar.
Estamos sozinhos. As pessoas que amo vão morrer.
Os livros não resolvem nada. A poesia é bonita e por vezes
descansa, acalma, mas não resolve nada, não resolve nada.
Somos artistas ou não somos, e qualquer coisa que seja não
adianta nada e nada impede.
Escrevemos poemas, mas não ajudam ninguém.
Escrevemos peças de teatro, sorrimos, tentamos pensar,
tentamos ter ideias, tentamos distrair as pessoas, tentamos
 fazer pensar as pessoas, tentamos fazer chorar as pessoas, e
isso é bom, e até parece ser bonito, mas não adianta nada,
não resolve nada,
não adianta nada.
 
Gonçalo M. Tavares 
O homem ou é tonto ou é mulher 
Campo das Letras, 2002

HOJE SINTO-ME ASSIM:



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[de Mikael Larsson.]
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O ARQUIVO.

OS VOYEURS.