Madame Bovary # 4



0 COMENTÁRIO(S)
(Passagem)

(Pós-Emma Bovary ; «Emma olhou lentamente em redor, como quem desperta de um sonho. Depois, com a voz límpida, pediu um espelho. Permaneceu inclinada sobre ele largo tempo até que dos olhos lhe caíram duas grossas lágrimas. Inclinou até trás a cabeça, largando um largo suspiro, e, uma violenta convulsão fê-la cair de novo sobre o leito. Todos se aproximaram. Estava morta»)

La Mort de Madame Bovary, 1889, Albert Fourié



Por respeito, ou por uma espécie de sensualidade que o obrigava a proceder com lentidão as suas investigações, Carlos não tinha aberto ainda a gaveta secreta da escrivaninha na qual Emma guardava as suas coisas. Um dia, por fim, sentou-se diante dela, fez girar a chave e apertou a mola. Lá estavam todas as cartas de Rodolfo e de Léon. Devorou-as até à última. Revolveu todos os cantos, todos os móveis, todos os caixotes, atrás das paredes, soluçando, rangendo, transtornado, louco... Descobriu uma caixa que desfundou com um pontapé. O retrato de Rodolfo saltou à vista no meio de ternas cartas espalhadas.
( ...)

O abatimento de Carlos produzia assombro. Já não saía e não recebia ninguém, negando-se inclusivé a visitar os pacientes. Então disse-se que se fechava para beber.
Nas tardes de verão, pegava na filha e levava-a ao cemitério. Voltavam ao cair da noite, quando já não havia mais luz senão na praça central.
Às vezes, um curioso trepava a cerca do jardim e ficava estarrecido com aquele homem de longa barba, coberto de farrapos, intratável, que chorava ao caminhar.

(...)

Um dia, Carlos dirigiu-se ao jardim e  foi sentar-se no banco da pérgula. A luz passava através da gelosia; as folhas do parreiral desenhavam sombras sobre a brita; os jasmins embalsamavam o ambiente; o céu estava azul, e as cantáridas zumbiam em torno dos lírios em flor. E Carlos, como um adolescente, sufocava sob as vagas exalações amorosas que enchiam um penoso coração.
Às sete, a pequena Berta, que não o havia visto durante toda a tarde, veio em sua busca para o jantar.
Tinha a cabeça apoiada contra a parede, os olhos fechados, a boca aberta e, nas mãos, uma larga madeixa de cabelos negros. 
- Papá, vamos! - disse a menina. O pai não se mexeu.
E, crendo que tentava brincar, empurrou-o suavemente. Carlos caiu sobre terra. Estava morto.
Trinta e seis horas depois foi feita a autópsia. Não se lhe encontrou nada.
Uma vez vendido tudo, sobraram doze francos e setenta e cinco cêntimos que serviram para pagar a viagem da menina até casa da avó, que morreu nesse mesmo ano, e, como o avô Rouault estava paralítico, encarregou-se do trato da menina uma tia-avó, a qual, sendo pobre, a mandou para uma fábrica de fiação a ganhar a vida.

FIM.



0 COMENTÁRIO(S):

newer post older post

O ARQUIVO.

OS VOYEURS.